Dom Baldo de Martim Tirado e o seu palácio de uma torre - Capítulo XIV

Quando já estávamos perto do palácio de Dom Baldo, mandei o meu ajudante prender os nossos animais a um olmo e que fosse ao comércio comprar dez reis de cevada fresca para lhes dar.

Olhei novamente para o palácio quando estava a uns cinquenta passos de distância, o qual pela sua originalidade me causou espanto e admiração. Um palácio de uma torre tão nobre naquela serra! Nem acreditava que fosse real o que estava a ver. Era um palácio fantástico.

As paredes eram de pedra. As pedras eram de um xisto invulgar, todas diferentes e de grande beleza.

Pareceu-me que tinham vida e que se moviam em varias direcções, algumas mais rápidas e outras mais devagar, de acordo com a sua inclinação. Outras estavam dormindo, outras associavam-se formando barcos à vela, esta de tela fina, que transportavam a nossa imaginação em direcção às estrelas ou até aos mistérios da origem do universo.

Como era possível não chocarem umas com as outras! Talvez a Providência o quisera assim ou porque apesar de serem todas diferentes tinham o mesmo valor, ou tinham um poder desconhecido que evitava a colisão.

Quando estava mais perto tive a impressão que elas se moviam num lago de águas limpas e pouco depois não tinha dúvidas de que era mesmo água boa para beber, como aquela das fontes mais famosas. Então apareceu uma mulher a cantar, com um vestido da cor do fogo, sentada numa pedra que flutuava na água, a qual se transformou numa mulher a fiar com uma roca à cinta e uma pedra à cabeça. Pôs a pedra no chão, a qual passou a jorrar água como se fosse uma fonte. Acreditei que de acordo com lendas antigas aquela água fosse milagrosa e que pudesse curar a minha doença e a do jumento.

Aproximei-me para a beber e encher uma cântara de barro. Surpreendentemente, ao tocar nas pedras a figura e o cenário desapareceram. Então lembrei-me do que havia lido no livro sagrado, o Alcorão, que é mais ou menos assim: ninguém deve tocar numa mulher muçulmana, a não ser o seu marido. Afastei-me das paredes e logo continuou a cena interrompida. Sem tocar nas pedras enchi o cântaro do jorro da água da fonte.

Um pouco mais distante pareceu-me que as pedras andavam no espaço cósmico, semelhantes aos cometas e depois com o girar do sol algumas brilhavam como as estrelas e outras espalhavam uma luz suave como a da lua cheia. Talvez fossem mensageiras das estrelas e da lua.

Depois parecia-me que tinham rostos jovens, calmos e encantadores. Provavelmente eram o espelho da beleza e serenidade de uma pessoa ou fantasma que vivia dentro delas.

Elas eram a memória do fogo antigo no interior da terra, da força erosiva dos ventos e da água, dos diferentes climas da terra e dos seres vivos primitivos que com elas se fundiram.

O homem ao observá-las impressionou-se com a sua beleza misteriosa, acreditou que transportavam os segredos do princípio do universo e apaixonou-se por elas.

Para quem era aquela mensagem? Era para ele, e logo começou a trabalhá-las para construir casas, castelos e palácios, impregnando-os da sua imaginação criadora, dos seus sentimentos, dos seus sonhos, da sua cultura, dando-lhes vida e criando quadros como os dos pintores famosos. Queria que a sua obra viajasse no tempo.

A torre, também construída de pedras semelhantes, era circular, e tinha várias janelas, algumas alinhadas com o nascer do sol no início do Verão e do Inverno. Outras eram utilizadas para durante a noite observar o céu. Era importante para os camponeses saberem quando se aproximava a época das sementeiras e das colheitas.

Numa das suas pedras estavam gravadas umas palavras em árabe e um desenho de um homem que observava os astros. Não tinha nenhuma ideia sobre o significado daquelas palavras. De qualquer modo o desenho significava certamente que a torre serviu de observatório astronómico dos mouros.

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