Dom Baldo de Martim Tirado e o seu palácio de uma torre - Capítulo V

Quando subíamos a encosta do Monte da Mua ou da Mula, observámos um espectáculo surpreendente: o sol atravessava aquela montanha através de uma mina, o que sucedia todos os anos no início do Verão. Era uma coisa impressionante! A luz quando entrava na mina era branca e quando saía tinha cores e matizes variadas. Ninguém sabia ao certo por que razão tal acontecia. De qualquer modo naquele dia ninguém se aproximava da mina com receio de lá ficar preso por encantamento. 

No mesmo monte havia outras minas em vários patamares. Estes começavam por um caminho na base da montanha que a circundava sete vezes até atingir o seu cume. Nos patamares movimentavam-se pessoas com sacos de minério às costas. 

A meio da tarde, quando nos aproximávamos da povoação de Vale de Ferreiros, uma chuva de relâmpagos lançava-se contra as encostas daquele monte, acompanhada de trovões. Porém, o monte ficava igual, não se percebendo para que servia aquela fúria e tanta pressa. Partiam de uma nuvem escura pousada no cimo do monte da Mua. 

Os seres humanos e os animais amedrontavam-se com o relampejar e o trovejar, especialmente quando eram tão frequentes. Um rapaz tocava o sino da igreja daquela povoação e um padre lia passagens da Bíblia. Havia a crença de que estas práticas tornavam as trovoadas mais ligeiras e breves. 

A chuva começou a cair com gotas grossas e depois em forma de granizo. Abrigámo-nos na primeira oficina de ferreiros que encontrámos. Estes tinham coroas de louro na cabeça e suspenderam o trabalho até a trovoada passar. O Botelho pediu-lhes coroas de louro para nós e para os nossos animais. Esta prática baseava-se na experiência popular, segundo a qual os raios caíam muitas vezes nas árvores de várias espécies, mas nunca atingiam os loureiros. Se os loureiros estavam imunes aos raios, seria suficiente usar alguns ramos deles na cabeça para os afastar. Os ramos assumiam a forma de coroas para se segurarem na cabeça. 

Acreditava-se que o diabo levou para o pico do monte da Mula os melhores ferreiros que havia em Vale de Ferreiros para fabricarem raios. O diabo queria castigar os seres humanos que lhe desobedeciam lançando raios contra eles. Por isso os seres humanos, querendo retaliar ao diabo, diziam: raios o partam ou raios partam o diabo. Mas dizê-lo pouco ou nada valia, porque os raios não se viravam contra ele. 

Provavelmente alguns dos homens que se movimentavam nos patamares do monte da Mula com sacos às costas transportavam minério para a oficina do diabo para aí os ferreiros fabricarem os raios. Quiçá os raios que caíam perto de nós não seriam uma maldição, mas apenas faíscas lançadas pelo bater dos poderosos martelos dos ferreiros no ferro a altas temperaturas para fabricar os raios que o diabo queria espalhar por todo o universo. Os trovões seriam o som do bater dos martelos que ecoava repetidas vezes nos montes e o que parecia ser uma nuvem escura seria o fumo das forjas.

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