Dom Baldo de Martim Tirado e o seu palácio de uma torre - Capítulo II

Percorrida cerca de meia légua o meu cavalo parou, sem se saber porquê. Levantou a cabeça calmamente e com curiosidade observava um agrupamento de sete estrelas que formava uma figura como a de um leão. Isto durou pouco tempo, possivelmente por ter medo dele, e logo passou a observar duas estrelas brancas de maior tamanho e mais brilhantes. Parecia-me que comunicava com elas através de pequenos relinchos e espirros, com o alongar do pescoço para se aproximar mais delas, ao mesmo tempo que escavava o chão com as patas dianteiras. Recebidos os sinais que buscava logo retrocedeu e tomou outro caminho. Então acreditei que a estrela que tinha na testa lhe dava poderes misteriosos, que lhe permitiam comunicar com as estrelas e delas receber orientações que lhe indicassem o caminho a seguir para encontrarmos os salteadores que uns dias antes em Vale de Ferreiros haviam roubado um cavalo e o dinheiro que levava um fidalgo de Martim Tirado.

O nome do fidalgo não se pode saber agora, só se saberá mais adiante, onde terá mais cabimento, quando se falar da sua sorte favorável e das suas qualidades. Continuámos a nossa viagem subindo pela encosta de uma montanha chamada Reboredo, por ter muitos carvalhos. Dos rochedos brotava água abundante, a qual em pequenas quedas amortecidas por rochas arredondadas e por plantas aquáticas produzia uma música agradável, misturada com o som das campainhas das coleiras dos animais Sem darmos conta, chegámos ao seu cume e então vimos a lua atrás dele, como se estivesse ali escondida, dando a impressão de que estava à nossa beira. Cobria-a um manto de tonalidade amarela, um pouco parecido com as searas maduras ou ervas comestíveis dos animais. Teria ocorrido ao jumento do Botelho a ideia de que se desse uns passos em frente poderia comer aquele cereal. Tentou fazê-lo. Porém, o animal embora de inteligência escassa, cedo se apercebeu de que precisaria de percorrer uma grande distância para atingir tão apetecível pastagem. Por isso, com algum desgosto, desistiu e passou a comer uma erva de inferior qualidade que estava à sua frente. Nisto, estando o jumento de lado em relação a mim reparei novamente no seu olho amarelo, então de uma tonalidade parecida com a tonalidade da lua. Porquê esta quase semelhança? Tudo levava a crer que havia uma relação oculta entre o olho do jumento e a lua cheia - pelo menos existia semelhança no facto de ambos iluminarem a terra durante a noite.

Conto de António Júlio Lopes. Publicaremos os próximos capítulos ao longo das próximas semanas.

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